COP27 – LIÇÕES APRENDIDAS

COP27 – LIÇÕES APRENDIDAS

COP27 – QUE LIÇÕES PODEM SER APRENDIDAS QUANTO AO CONTROLE DO COMÉRCIO DE ULTRAPROCESSADOS?

Enquanto os líderes mundiais se reúnem em Sharm El-Sheikh, Egito para a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), a IBFAN se manifesta solicitando restrições à produção global e ao comércio de produtos ultraprocessados ​​(AUP) embalados em plástico e carregados de aditivos. Embora muitas campanhas nutricionais tenham se concentrado no excesso de açúcar, sal e gordura, menos atenção tem sido dada ao processamento industrial de alimentos, o qual prolonga a vida útil do produto para o comércio global, desnatura ingredientes e tem um impacto desastroso na saúde humana e no meio ambiente. A análise mais recente mostra que o consumo de AUP é uma causa significativa de morte prematura no Brasil. (1)

A IBFAN está especialmente preocupada com a produção e comercialização de ultraprocessados desnecessários para bebês – muitos adoçados e aromatizados – que são promovidos de forma agressiva e enganosa por empresas como Nestlé, Danone, Reckitt, Abbott e Mead Johnson. (2) Esses produtos incluem fórmulas e bebidas que estão prejudicando o consumo de alimentos da família, saudáveis ​​e biodiversos, alimentando a epidemia de obesidade e prejudicando a amamentação – que deve ser a norma nutricional e imunológica protetora da saúde das crianças, tábua de salvação para muitas delas. 

Extinction Rebellion mass ‘nurse-in’ . Westminster, London October 2019 – Photo: Helena Smith

Embora seja um direito fundamental de todas as mães decidir como alimentar seus filhos, para exercer esse direito é preciso haver proteção legal contra o marketing predatório de substitutos do leite materno, haver práticas hospitalares de apoio à amamentação e proteção adequada à maternidade da mulher que tem emprego. Também deve haver acesso a produtos que não sejam prejudiciais. A amamentação é a maneira mais ecológica de alimentar um bebê, resultando em desperdício zero, gases de efeito estufa mínimos e pegada hídrica insignificante.  Temperaturas ambientes mais altas causadas pelo aquecimento global exacerbam as doenças transmitidas por alimentos, deixando bebês e crianças pequenas sob maior risco de doenças graves. (3)

As corporações lucram com a crise climática.

A crise climática traz uma vida mais precária e insegura, especialmente para as pessoas do sul do planeta, as que vivem na pobreza, com deficiência, os idosos e os muito jovens.   Para a indústria de alimentação infantil – é apenas uma oportunidade de negócio a ser aproveitada. Esta indústria é cúmplice direta e indireta da emergência climática por meio da promoção de sistemas alimentares que prejudicam a biodiversidade e as culturas alimentares tradicionais, resultando em desmatamento, monocultura, grilagem de terras e na promoção de uma série de tecnologias arriscadas. (3)

O problema do comércio global

Embora todos os governos tenham o direito e o dever soberanos de adotar leis eficazes para proteger os cidadãos, a indústria agroalimentar e as nações exportadoras fazem lobby para encontrar brechas que permitem o florescimento do marketing prejudicial. Padrões de comércio global para alimentos levam muitos anos para serem concluídos e são definidos na Comissão do Codex Alimentarius da ONU, um órgão com fracas salvaguardas de conflito de interesses e que dá pouca atenção a considerações ambientais ou de bem-estar animal. Muitas vezes, concessões prejudiciais são feitas porque as decisões do Codex são baseadas em conveniência política ou comercial, e não em evidências relevantes, convincentes e confiáveis. Entre 1995 e 2019, os padrões do Codex foram repetidos ​​245 vezes continuando como um desafio aos regulamentos nacionais de marketing, rotulagem ou testes de segurança em fórmulas lácteas comerciais. (4).

Os países com poucos recursos – onde as crianças sofrem mais – são deixados para enfrentar esses problemas de marketing sozinhos. As nações e corporações exportadoras que lucram com as vendas não assumem nenhuma responsabilidade e nunca são culpabilizadas financeiramente pelos danos que causam. Todos os ‘custos’ para a saúde humana e o meio ambiente são assumidos por governos, famílias e pelo nosso planeta.  A Covid-19 foi a ‘lição da mãe natureza para a humanidade’   – por que já está sendo esquecida?

O complicado cenário global de hoje ocorre menos de dois anos após a diminuição da poluição, o retorno do ar puro e o ressurgimento da vida selvagem que inesperadamente ocorreu devido às restrições de mobilidade e de produções industriais necessárias para se conter a pandemia do COVID-19. Essa flexibilidade e capacidade regenerativa ainda existe em muitos ecossistemas quando a perturbação inadequada é significativamente reduzida.

Essa deveria ter sido uma das principais lições da pandemia. Porém, enquanto as vacinas trouxeram alívio contra o coronavírus, a pressa de retomar o consumo e buscar o lucro financeiro trouxe amnésia. Novas guerras, incêndios, secas, inundações e deslocamentos forçados estão destruindo os sistemas alimentares e a fome está sendo normalizada. A capacidade e a vontade dos governos de implementar seus compromissos na COP27 serão adiadas mais uma vez?

Alimentação de lactentes e crianças pequenas em situações de emergência

Um terço das vítimas da guerra são crianças e quase um milhão nascem todos os anos como refugiadas. Para elas, a fome e as doenças transmissíveis desafiam todos os objetivos e metas internacionais. Grupos da IBFAN estão trabalhando em países como o Paquistão, que foram atingidos por inundações relacionadas ao clima, onde falta de saneamento, desnutrição e surtos de doenças atingem crianças menores de cinco anos com mais força. Os bebês correm grande risco de doenças relacionadas à água, sendo a doença diarreica a segunda maior causa de morte de menores de cinco anos. As doações comerciais de produtos para alimentação infantil agravam esses problemas e minam os esforços para proteger a amamentação. (5)

Ação para salvaguardar a formulação de políticas e parar o greenwashing (maquiagem verde)

A IBFAN trabalha ao lado de organizações e redes da sociedade civil que se opõem a que corporações como a Coca-Cola sejam patrocinadoras da conferência COP 27 e buscam responsabilizar as corporações que prejudicam a saúde e o planeta pelos danos que causam (sob uma postura maquiada de verde ou greenwashing de suas ações).

Os riscos de multi-parceiros (multistakeholderismo)

A emergência climática é ainda mais complexa do que a saúde, mas os mesmos princípios devem ser aplicados e a formulação de políticas deve ser protegida de influências comerciais indevidas. Através da promoção de parcerias de ‘múltiplas partes interessadas’multistakeholderismo (6) as corporações e seus grupos de fachada desviam a atenção da necessidade de regulamentação forte e monitoramento verdadeiramente independente, alimentando reivindicações infundadas de greenwashing. (7). A IBFAN   está pedindo aos líderes presentes na COP27 que restrinjam o comércio de produtos ultraprocessados ​​(UPFs) e assegurem que as regras comerciais levem em consideração as preocupações com a saúde e o meio ambiente.

Dr. Marcos Arana, IBFAN México, pede mais empatia:

“Os membros mais vulneráveis ​​de nossa sociedade são os mais atingidos por pandemias e emergências: pessoas no sul do planeta, pessoas que vivem na pobreza ou com deficiências, idosos e muito jovens. A adversidade atinge aqueles que menos têm e menos poluem, assim como aqueles que habitam este planeta há menos tempo.

O início da vida humana é quando a amamentação se destaca como o sistema alimentar mais confiável e sustentável, mitigando e adaptando-se aos efeitos das mudanças climáticas. A amamentação também é um dos principais eixos para o desenvolvimento da empatia, que é o antídoto para a violência. A empatia também é essencial para que todos possamos desenvolver novas formas de habitar este planeta.”

Dr. Julie Smith, prof. assist. Do Centro Australiano de Pesquisa Econômica em Saúde:

“A descoberta mais alarmante em nossa pesquisa é que uma proporção muito grande do impacto da emissão de gases de efeito estufa está associada aos chamados leites de crescimento ou fórmula infantil… Na China, quase metade das vendas de fórmula láctea são fórmulas infantis. Somente para o Reino Unido, a economia de emissão de carbono obtida ao apoiar as mães a amamentar equivaleria a tirar entre 50.000 e 77.500 carros das ruas a cada ano”. 


*A Rede Internacional de Defesa do Direito de Amamentar – International Baby Food Action Network (IBFAN) é uma rede mundial de 43 anos com mais de 148 grupos de interesse público em mais de 108 países.   Os membros são diversos e incluem trabalhadores da saúde, pais, consumidores e organizações de desenvolvimento.  Os membros da IBFAN ajudam os governos a criar uma legislação eficaz que apoie mães, crianças e famílias.

Para mais informações entre em contato:

Dr. Marcos Arana Cedeño (México) observatoriosalud@prodigy.net.mx; Alison Linnecar: (França) alinnecar@gmail.com; Britta Boutry (Suíça) britta.boutry-stadelmann@gifa.org; Patti Rundall (Reino Unido) prundall@babymilkaction.org; Nomajoni Ntombela (África do Sul) jonanantombela@gmail.com; Elisabeth Sterken (Canadá) elisabethsterken@gmail.com; Maryse Arendt (Luxemburgo) maryse.arendt@pt.lu; Dra. Marina Rea (Brasil) marifrea@usp.br.

Produzido pelo Comitê Coordenador da rede IBFAN.
Publicado por Baby Milk Action.
Traduzido para o português por IBFAN Brasil.
Novembro de 2022.

TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS: https://www.babymilkaction.org/archives/35311

PDF para download (em português)


NOTAS:

(1) Riscos de Alimentos Ultraprocessados ​​(AUP)

(2) Evidências de comercialização prejudicial de produtos para alimentação infantil.

Esta página leva a inúmeros relatórios da OMS, da IBFAN e outros de violações sistemáticas e contínuas do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno e das 19 Resoluções aprovadas pela Assembleia Mundial da Saúde – o mais alto órgão de definição de políticas de saúde do mundo.144 países adotaram medidas legais para implementar pelo menos algumas das disposições do Código Internacional, mas como resultado do lobby da indústria, muitas são muito fracas.

Interference in public health policy: examples of how the baby food industry uses tobacco industry tactics. World Health Nutrition. Este artigo mostra como a indústria de alimentos para bebês usa as seis táticas da indústria do tabaco para minar a vontade política de adotar uma legislação forte: (1) manobras para sequestrar o processo político e legislativo; (2) exagerar a importância econômica da indústria; (3) manipular a opinião pública para ganhar aparência de respeitabilidade; (4) criação de suporte através de grupos; (5) desacreditar a ciência comprovada; e (6) intimidação de governos com litígios.

(3). Alimentação infantil e clima:

(4) Codex Alimentarius

Questões transversais. O Codex votará em novembro sobre a definição de Níveis Máximos de Resíduos (MRLs) para o Zilpaterol, um medicamento fabricado pela Merck usado para estimular o crescimento do gado. O Zilpaterol está atualmente proibido no Reino Unido, UE e Rússia, que se opõem ao trabalho do Codex por vários motivos, incluindo se seu uso rotineiro pode exacerbar a resistência antimicrobiana. WHO’s One Health Approach, antimicrobials and AMR.

(5) Emergências: As piores enchentes da história do Paquistão submergiram um terço do país e mataram 1.717 pessoas. A IBFAN Paquistão está trabalhando com o governo e o UNICEF para fornecer aconselhamento sobre saúde, nutrição e amamentação e educação sobre como evitar produtos ultraprocessados ​​e comer alimentos locais saudáveis. As doações de fórmula infantil e outros produtos lácteos em pó durante emergências muitas vezes violam as Leis de Proteção à Amamentação do Paquistão, a Estratégia Global IYCF e a Orientação Operacional IFE para Equipe de Socorro de Emergência. O Grupo de Alimentação Infantil em Emergências (IFE) é uma colaboração global de agências e indivíduos que se formou em 1999 para abordar a orientação política e as lacunas de recursos de treinamento que dificultam a programação de apoio à alimentação de bebês e crianças pequenas em emergências.

Lancet/UNICEF/WHO Commission report concluiu: “… as crianças de hoje enfrentam um futuro incerto. Mudanças climáticas, degradação ecológica, migração de populações, conflitos, desigualdades generalizadas e práticas comerciais predatórias ameaçam a saúde e o futuro das crianças em todos os países”.

(6) Multi-parceiros (multistakeholderismo)

(7) Rotulagem Sustentavel

Para evitar o greenwashing, os esquemas de rotulagem devem se concentrar em advertências em vez de reivindicações e ser obrigatórios (controlados pelo governo), com monitoramento independente e fortes salvaguardas de responsabilidade. Veja o comentário da IBFAN sobre a rotulagem sustentável.