MONITORAMENTO 2014 – AMAMENTAÇÃO DESVALORIZADA
REVISTA DO IDEC | FEVEREIRO 2015
Leis de proteção ao aleitamento materno são reiteradamente desrespeitadas, constata balanço de monitoramentos realizados de 2007 a 2014 pela Ibfan Brasil em parceria com o Idec
Todas as crianças devem ser alimentadas exclusivamente pelo leite materno até os seis meses de vida e continuar a mamar, em complemento a outros alimentos, até os dois anos de idade, segundo recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). “O leite materno é o alimento mais indicado para bebês até os seis meses, pois contém nutrientes imprescindíveis para o seu desenvolvimento
e anticorpos necessários para a imunidade contra doenças infecciosas e alérgicas”, destaca Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
Mas a realidade brasileira e em muitos outros países é bem diferente. De acordo com a II Pesquisa de Prevalência de Amamentação nas Capitais e no Distrito Federal, que reúne os dados oficiais mais recentes sobre o assunto, em 2008 a duração média do aleitamento materno exclusivo era de 54,1 dias, e a da amamentação complementada com outros alimentos, de 341,6 dias – menos de um ano. Em todo o mundo, só 38% dos bebês são exclusivamente amamentados até os cinco meses de idade, de acordo com dados de 2014 da Unicef.
Uma das razões para a realidade do tempo de amamentação estar tão distante do ideal são as estratégias publicitárias utilizadas pelos fabricantes de leites artificiais, alimentos infantis industrializados, mamadeiras e chupetas – produtos que desestimulam ou prejudicam a
amamentação.
Para proteger o aleitamento materno do marketing antiético, o Brasil aprovou, em 1988, a Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Protetores de Mamilo (NBCAL) e, em 2006, a Lei Federal no 11.265. “Essa lei é muito importante porque é hierarquicamente superior a todas as regulamentações e normas expedidas por órgãos governamentais. Mas, para que a sua aplicabilidade seja efetiva, a lei precisa ser regulamentada”, opina Fabiana Müller, presidente da Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (Ibfan) no Brasil. A nutricionista do Idec concorda: “A falta de regulamentação da lei e de fiscalização contribui para que as violações continuem e para que produtos industrializados permaneçam no mercado competindo com o leite materno”, diz.
Questionada sobre a inércia em relação à regulamentação da lei, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por tal medida, informa que já avaliou o tema e que a proposta de norma já foi enviada ao Ministério da Saúde, mas não tem mais detalhes sobre a evolução da discussão.
Monitoramento 2014
No ano passado, a Ibfan e o Idec identificaram 114 infrações, de 35 empresas, à NBCAL e à Lei nº 11.265/2006. Dessas, três empresas cometeram irregularidades na rotulagem de bicos, chupetas e mamadeiras; duas na rotulagem de alimentos; seis fizeram promoção comercial indevida na internet; 22 promoveram produtos de forma irregular em pontos de venda; uma promoveu produtos irregularmente em painéis do tipo banner; e uma distribuiu brindes a profissionais de saúde.
Para saber mais detalhes sobre o monitoramento do ano passado, conferir quais foram as empresas infratoras e o que elas responderam, acesse o site do Idec.
LEI DESRESPEITADA
Há 26 anos, a Ibfan Brasil monitora o cumprimento da NBCAL pelas empresas. Essas pesquisas, invariavelmente, revelam um cenário de desrespeito às leis de proteção à amamentação. Desta vez, a organização, em parceria com o Idec, analisou os resultados das pesquisas feitas de 2007 a 2014 – após a aprovação da lei federal, portanto – e constatou que as infrações relacionadas à comercialização e marketing dos produtos aumentaram muito. Se em 2007/ 2008 a comercialização e publicidade de produtos representava 66% das infrações, em 2014 os problemas nessa categoria passaram a dominar o mercado, com 95,6% das irregularidades identificadas.
De acordo com Müller, o incremento nas práticas de marketing é perceptível “por meio do tipo de linguagem utilizada nos rótulos, nas embalagens e na promoção comercial dos produtos”. Ela cita como exemplo rótulos de alimentos à base de cereais que costumam conter informações que podem induzir o consumidor ao uso, baseado em falsos conceitos de vantagem ou de segurança, como “sustenta de verdade”.
Já os problemas com rotulagem, embora ainda existam, estão em proporção bem menor: há oito anos, a categoria respondia por 44% das infrações, enquanto no ano passado a sua participação caiu para 3,5%.
Para a nutricionista do Idec, a análise dos resultados dos últimos oito anos mostra que a situação está estagnada.
“As violações à legislação protetora da amamentação continuam. As leis não têm sido suficientes para coibir algumas práticas não éticas de fabricação, comércio e publicidade”, reclama Bortoletto, que cobra do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, composto pela Anvisa e por vigilâncias sanitárias estaduais e municipais, uma fiscalização mais rigorosa dos produtos, fabricantes e comerciantes do setor. O Instituto notificou a Anvisa e o Ministério da Saúde sobre os resultados do monitoramento.
COMO FOI FEITA A PESQUISA – O Idec e a Ibfan Brasil compilaram e analisaram os resultados dos monitoramentos do cumprimento da NBCAL de 2007 a 2014, realizados a partir do trabalho de voluntários da Ibfan em 18 estados.
As infrações foram divididas em três categorias: comércio, promoção e publicidade (divulgação em pontos de venda, folhetos promocionais, páginas eletrônicas, revistas, jornais, rádio, TV e carros institucionais); rotulagem (de alimentos indicados para crianças de até três anos, bicos, chupetas, mamadeiras e protetores de mamilos); e educação e informação (material educacional — destinado ao público geral — e material técnico-científico — destinado aos profissionais da saúde – impresso ou on-line sobre alimentação infantil, bicos, chupetas e mamadeiras; e prática de representantes da indústria em serviços de saúde e eventos científicos).
“A falta de regulação da lei e de fiscalização contribui para que produtos industrializados continuem competindo com o leite materno”
— Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec
SOCIEDADE ATENTA
Apesar de todos os problemas identificados nos monitoramentos, a presidente da Ibfan Brasil é otimista em relação a mudanças no cenário futuro. “Nossa experiência tem demonstrado que os esforços em treinar equipes e monitorar as estratégias de marketing são decisivos para a mudança nas práticas comerciais. Também é muito importante que a sociedade denuncie as práticas abusivas”, diz Müller.
A internet tem facilitado a disseminação de informações a respeito do assunto, com o surgimento
de novos grupos nas redes sociais, novos blogs e sites em prol da amamentação. Um dos mais antigos é o Amigas do Peito, criado em 1980.
Em resposta coletiva enviada por e-mail, as organizadoras do grupo disseram que, no início, elas não percebiam a influência da propaganda na desvalorização da amamentação. “Depois de muitas conversas, começamos a notar e a nos indignar com a quantidade de imagens e frases que apresentam outras formas de alimentação que não os nossos peitos. Hoje, temos clareza da influência que o marketing de fórmulas artificiais, alimentos infantis e até de bonecas que chupam chupeta e tomam mamadeira exerce na cultura. Ele também é responsável pela dificuldade de se manter o aleitamento pelo tempo determinado pela OMS”.
Infrações à legislação pró-amamentação de 2007 a 2014
Confira, no quadro abaixo as principais normas em vigor sobre a comercialização, a publicidade e a rotulagem de produtos e alimentos infantis que podem prejudicar a amamentação. Caso identifique alguma irregularidade, denuncie à Anvisa (ouvidoria@anvisa.org.br) ou, se o problema for no estabelecimento comercial, ao órgão de vigilância sanitária de seu município.
“É importante apresentar ‘provas’ da infração, como fotos ou o rótulo do produto em si, pois serão a partir delas que as ações de fiscalização serão efetivadas”, informa Bortoletto.
Regras pró-amamentação
As leis e normas de proteção à amamentação no Brasil estabelecem que:
- É proibida qualquer promoção comercial de fórmulas infantis, mamadeiras, bicos, chupetas e protetores de mamilo.
- Na promoção de alguns produtos, como leites em geral e qualquer alimento e bebida indicado para crianças menores de três anos, é preciso ter uma frase de advertência sobre a importância do aleitamento materno.
- No rótulo dos produtos, é proibido utilizar imagens de lactentes ou crianças pequenas; frases que coloquem em dúvida a capacidade das mães de amamentar.
- É proibido utilizar expressões que indiquem ou façam o consumidor acreditar que o produto é apropriado para bebês com menos de seis meses; e usar informações que induzam o uso baseado em falso conceito de vantagem ou segurança.