ALEITAMENTO MATERNO E O PAPEL DA INDÚSTRIA DE FÓRMULAS LÁCTEAS COMERCIAIS

Aleitamento materno e o papel da indústria de fórmulas lácteas comerciais

Carta aos Leitores do The Lancet, redigida em resposta ao The Lancet Breastfeeding Series – 2023. Um dos coautores desta carta é a IBFANer Vilneide Serva, membro essencial da nossa rede IBFAN no Brasil. Além disso, queremos destacar o valoroso trabalho do Professor Fernando Figueira em prol da proteção ao aleitamento materno. Seu empenho merece todo o reconhecimento!


Confira:

ALEITAMENTO MATERNO E O PAPEL DA INDÚSTRIA DE FÓRMULAS LÁCTEAS COMERCIAIS

  • João Guilherme Bezerra Alves
  • Vilneide Maria Santos Braga Diégues Serva
  • Fernando Augusto Marinho dos Santos Figueira

THE LANCET | CORRESPONDÊNCIA | VOLUME 402, EDIÇÃO 10400, P447-448,05 DE AGOSTO DE 2023

Lemos com interesse o Lancet Breastfeeding Series 2023,1que descreve as estratégias usadas pelos fabricantes de fórmulas lácteas comerciais para atingir pais, profissionais de saúde e formuladores de políticas. Essa prática remonta a mais de meio século, quando a indústria do leite em pó viu mercados atraentes na África e na América Latina. Na época, a Nestlé distribuía leite em pó nas maternidades, o que provocava o desmame em massa. Felizmente, naquela época, uma voz forte no Brasil se posicionou publicamente contra a Nestlé. Fernando Figueira, criador do maior hospital infantil público do Brasil, o Instituto de Medicina Integral, proibiu a distribuição de leite em pó e mamadeiras. Com essa atitude, as sementes de programas de incentivo ao aleitamento materno foram plantadas no Brasil e serviram de exemplo para outros países.

No mesmo período, Figueira denunciou a relação promíscua entre a Nestlé e a Sociedade Brasileira de Pediatria que permitia à Nestlé realizar estratégias de marketing voltadas para pediatras. Essas estratégias incluíam propaganda de produtos travestida de informação científica, financiamento de congressos e conferências para estreitar o relacionamento com os médicos e manipulação assistencial, como o uso de estratégias para induzir os médicos a indicar produtos.

Figueira, como professor universitário, também iniciou uma reforma curricular no ensino médico. Na época, influenciadas pela indústria do leite em pó, as escolas médicas ofereciam apenas aulas de alimentação artificial com apresentação de diferentes laticínios. A partir daí, essas aulas foram totalmente substituídas pelo ensino da amamentação.

Em 1974, um livro de Mike Muller intitulado The Baby Killer foi publicado.2Este livro causou repercussão mundial e até forçou mudanças no comportamento da gigante Nestlé. Figueira, em uma iniciativa corajosa e inovadora, traduziu este livro para o português e até escreveu o prefácio, revelando as más práticas comerciais das empresas de laticínios infantis no Brasil. Este livro foi republicado em 1995.

É importante reconhecer as medidas que remontam a 49 anos, mesmo antes da adoção do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno da OMS.5Além disso, em 1987, Figueira instituiu o Banco de Leite Humano como modelo para outras instituições no Brasil. Em 1992, o Instituto de Medicina Integral foi considerado o primeiro hospital amigo da criança pelo pioneirismo no cumprimento dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno.6A luta de Figueira para proteger o aleitamento materno ao revelar as práticas comerciais nocivas de empresas produtoras de substitutos do leite materno deve ser lembrada em uma luta desigual contra o marketing mentiroso da indústria do leite em pó.

Declaramos não haver interesses conflitantes.

Traduzido por Moises Chencinski

TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS